July2019

Cuidar e ser cuidado

No texto anterior vimos que o envelhecimento é um processo natural que vai ocorrendo ao longo da vida. Por ser um acontecimento gradual, não raras vezes, os filhos ou o cônjuge assumem gradualmente os cuidados do seu familiar. E quando nos referimos a cuidados estamos a falar, mais propriamente, daquelas pequenas ajudas nas tarefas que o pai/mãe já não vai sendo capaz de realizar. Esta realidade só é verificável quando o processo de envelhecimento acontece de uma forma saudável. O idoso vai precisando de algum apoio,mas mantém as suas faculdades mais ou menos estáveis durante a sua velhice. Ora casos há em que o processo de envelhecimento não é tão simples assim. Quando o estado de saúde da pessoa idosa não lhe permite a manutenção das suas capacidades, quer físicas quer mentais, surge a necessidade da existência de um cuidador. Esta transição muitas vezes é suave na medida em que, como referido anteriormente, o cônjuge ou os descendentes assumem naturalmente as tarefas da vida diária que asseguram esses cuidados que o próprio já não consegue realizar sem tomarem grande consciência de que estão a ser o cuidador da pessoa. Ora quando se dá um episódio mais significativo no qual ocorra uma perda de capacidade mais acentuada há um familiar que tem de assumir o cuidado de forma abrupta.E diz-se um familiar porque culturalmente é a família que tem a obrigação moral de cuidar. Ainda que com dificuldades e algum desconhecimento. Esta nova tarefa, que se alia à carreira profissional, já existente , ao cuidado de filhos ainda menores, cria uma nova realidade familiar que obriga a um ajuste de papeis e de tarefas. Como reflecte Mendes (1998) “a relação de dependência implica uma nova percepção de si e do outro, para todos os elementos do grupo familiar, atingindo, em particular, o cuidador e o idoso”. A filha que, muitas vezes, ao cuidar dos filhos, da casa, da carreira e do marido tem de juntar o cuidado ao pai/mãe que não conseguem assegurar os seus próprios cuidados. A nora que tantas vezes tem de ajudar o marido a cuidar de um dos progenitores por ser filho único (ainda que isto implique trazer o sogro ou a sogra lá para casa). Origina-se, portanto, uma mudança de papéis familiares. Ainda que o cuidador principal seja apenas um dos filhos (o que inevitavelmente acontece) toda a família se vê envolvida de certa forma nos cuidados da pessoa idosa. Para além desta esfera familiar há também a necessidade de gerir a relação cuidador- pessoa cuidada. A dependência, nessa relação, assume diferentes conotações para ambos. Para o idoso inscreve-se na sua incapacidade para realizar determinadas actividades da vida diária. Para o cuidador,fixa-se na necessidade do outro por cuidados pessoais. Essa relação de dependência é, para ambos, complexa já que se alteram as relações de poder. Uma das questões que a dependência suscita é precisamente a questão da intimidade. Numa sociedade cuja cultura ainda é preconceituosa relativamente à exposição do corpo, viver uma situação em que a filha tenha de fazer a higiene a um pai é altamente constrangedora e pode criar resistências de ambas as partes. Por esta razão, muitas vezes, as pessoas que são cuidadas preferem que “alguém de fora”, seja uma vizinha ou um profissional, ajude na higiene . Todas estas questões são reflectidas partindo do pressuposto que a pessoa idosa,ainda que debilitada fisicamente, se mantém lúcida e plenamente capaz ao nível cognitivo. Mas e quando não é esse o caso como é que a família gere o cuidado a uma pessoa que não dispõe das suas faculdades mentais e que apresenta resistência aos cuidados? Vamos analisar esta questão no próximo texto… estejam atentos

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